quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O Fluminense é Série A e Ponto Final!


Portuguesa e flamengo, clubes que foram punidos pelo STJD com a perda de pontos por terem escalado jogadores de forma irregular na última rodada do campeonato brasileiro de 2013, não têm argumentos jurídicos que possam fazer reverter a legítima decisão do órgão julgador desportivo na Justiça Comum.
 
É preciso esclarecer de uma vez por todas que, nem mesmo o fundamento criado não se sabe por quem, mas encampado por grande parte da imprensa esportiva e outros interessados, de que o ato legislativo denominado Estatuto do Torcedor, Lei 10671/2003, teria prevalência sobre as normas próprias da Justiça Desportiva, possui qualquer valor jurídico.
 
Trata-se de um entendimento criado de forma superficial, incabível ao caso concreto e equivocadamente amparado nas regras de conflitos de normas jurídicas.
 
Afirmar-se, pura e simplesmente, que o Estatuto do Torcedor deve prevalecer sobre a norma administrativa que regulamenta a atividade desportiva nacional, e que, por isso, a decisão do STJD deveria ser revista por ter descumprido determinação legal para a intimação da parte cujo atleta foi suspenso por infração disciplinar, é pura tolice.
 
Tão frágil e sem fundamento, que o Promotor de Justiça Roberto Senise, aquele mesmo que fabricou uma ação civil pública para que se fizesse valer o Estatuto em detrimento da decisão do STJD, não conseguiu melhor sorte nem mesmo ao tentar obter do Poder Judiciário uma liminar na referida ação. Foi indeferida de plano, e é importante observar, neste ponto, que liminares (antecipação de tutela), via de regra, são decisões baseadas numa apreciação superficial, e concedidas se presentes a urgência/necessidade do pedido e a verossimilhança do alegado (artigo 273, do CPC).
 
Assim como esta empreitada que está fadada ao fracasso, também estão as ações manejadas por “torcedores” de flamengo e Portuguesa e que têm o mesmo objetivo. Todas foram cassadas e continuarão sendo, pois utilizam o mesmo fundamento acima referido, fundamento que não convence nem mesmo um estudante de primeiro ano do curso de Direito.
 
E por que não se presta a nada esse argumento?
 
Primeiro, porque é preciso dizer que a regra estampada no artigo 35, § 2º, do Estatuto, não é incompatível com o artigo 133, do CBJD, que determina:
 

Art. 133. Proclamado o resultado do julgamento, a decisão produzirá efeitos imediatamente, independentemente de publicação ou da presença das partes ou de seus procuradores, desde que regularmente intimados para a sessão de julgamento, salvo na hipótese de decisão condenatória, cujos efeitos produzir-se-ão a partir do dia seguinte à proclamação. (Redação dada pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
 
Ou seja, diz o dispositivo que os clubes foram devidamente intimados das punições aos seus atletas, uma vez que seus advogados (representantes) participaram das sessões de julgamento e ficaram cientes de todo o ocorrido. Somente isto bastaria para que se tivesse por intimado o clube ao qual pertence o atleta infrator, mas o advogado da Portuguesa foi além e informou por telefone o teor da decisão. (já comprovou perante o Ministério Público que realizou ligação telefônica informando a suspensão do atleta aos dirigentes do clube paulista).
 
Tal fato (a falta da intimação), de tão óbvio, nem mesmo foi alegado no primeiro julgamento.
 
Aí surge a tese estapafúrdia de que os clubes somente poderiam estar intimados após a publicação da decisão no sítio da entidade CBF com base no artigo 35, §2º, da Lei 10671/2003 (ET).
 

Art. 35. As decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva devem ser, em qualquer hipótese, motivadas e ter a mesma publicidade que as decisões dos tribunais federais.

§ 1o Não correm em segredo de justiça os processos em curso perante a Justiça Desportiva.

§ 2o As decisões de que trata o caput serão disponibilizadas no sítio de que trata o parágrafo único do art. 5o. (Redação dada pela Lei nº 12.299, de 2010).
 
Muitos, de forma casuística, desprezando princípios básicos do direito, relegando as normas de hermenêutica jurídica ao último plano, entenderam, como se verdade fosse, que o referido dispositivo legal prevaleceria sobre o Código de Justiça Desportiva, mormente o seu artigo 133.
 
Ledo engano, ou proposital engano. Seja lá o que for, não há qualquer espécie de prevalência da Lei Ordinária sobre o Código Desportivo, apesar deste constituir-se por normas de natureza administrativa.
 
Isso, porque a Constituição da República, a lei das leis, determina em seu artigo 217, inciso I, que a Justiça Desportiva não é órgão do Poder Judiciário. Assim, Justiça Desportiva e Justiça Comum são autônomas, a primeira, entidade administrativa; a segunda, órgão do Poder Judiciário. O mesmo artigo, em seu parágrafo 1º, veda ao Poder Judiciário a apreciação de causas relativas à Justiça Desportiva, enquanto não esgotadas as suas instâncias.
 
Tal fato, por certo, revela a preocupação do constituinte em impedir que ações judiciais obstaculizem a organização das competições nacionais, ou mesmo, a própria continuidade da competição ante a possibilidade de que venha a ser interrompida ou suspensa a qualquer tempo por decisões judiciais.
 
Portanto, não há qualquer ingerência do Estatuto do Torcedor na organização da Justiça Desportiva, a qual teve a sua criação autorizada e a sua independência determinada por expressa previsão constitucional, ato normativo superior a qualquer outra lei nacional.
 
Por outro lado, mesmo que se permitisse essa ingerência, o que, frise-se, é incabível, nem assim, o direito socorreria aos detratores da decisão do STJD.
 
O Estatuto do Torcedor, como diz o nome, foi criado para o torcedor. A publicidade estampada no seu artigo 35 é um direito do torcedor. Uma leitura atenta do código revela que é o torcedor o principal destinatário de suas normas.
 
Note-se que o citado artigo 35 está inserido no capítulo X, Da Relação com a Justiça Desportiva. Da relação de quem com a Justiça Desportiva? Está claro que é da relação do torcedor com essa Justiça.
 
O artigo 34, inserido no mesmo capítulo, sobre a mesma relação com a Justiça Desportiva, indica que:
 

Art. 34. É direito do torcedor que os órgãos da Justiça Desportiva, no exercício de suas funções, observem os princípios da impessoalidade, da moralidade, da celeridade, da publicidade e da independência.
 
É direito do torcedor. O Estatuto trouxe ao mundo jurídico direitos dos torcedores. Uma leitura rápida fará notar mesmo a quem não deseja, que o Estatuto estabelece direitos dos torcedores perante as entidades que administram o futebol brasileiro.
 
Assim, fica fácil concluir que o Estatuto do Torcedor regulamenta direitos dos destinatários finais do futebol, que são os torcedores. A publicidade prevista no artigo 35 da Lei 10671/2003, nada mais significa do que a necessidade que as decisões da Justiça Desportiva devem ser motivadas e publicadas, a fim de que todos nós tenhamos acesso ao conteúdo dos atos (por isso as decisões devem ser publicadas) e possamos impugnar o fundamento de decisão que entendamos abusiva ou ilegal (por isso as decisões devem ser motivadas).
 
É somente esse o propósito do artigo 35 do ET.
 
Ao contrário, porém, o CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva) regulamenta a relação entre a Justiça Desportiva e o infrator disciplinar, o denunciado que será submetido a julgamento pelo cometimento da infração no âmbito desportivo.
 
Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Apesar de supostamente incompatíveis, na verdade, assim como diversas outras disposições legais aparentemente colidentes, convivem em harmonia no ordenamento jurídico, cada uma em sua seara.
 
Vale dizer, por fim, que a decisão que retirou os pontos dos supracitados clubes é absolutamente legal, pois encontra amparo na legislação vigente e na própria Constituição Federal, sendo legítima, também, a permanência do Fluminense na série A do campeonato brasileiro de 2014.
 
Deveriam esses clubes, ao invés de provocar, mesmo através de torcedores, o Judiciário, buscarem a responsabilização daqueles profissionais que, no mínimo por desídia, provocaram os gravíssimos erros que levaram às escalações de dois jogadores em situações irregulares.
 
Deveria a imprensa agir com isenção e ética e não fomentar argumentos pueris e versões fraudulentas. Buscasse a verdade e talvez o imbróglio já tivesse sido solucionado há tempos, tanto com a responsabilização dos culpados, como com a descoberta dos motivos pelos quais tamanha coincidência ocorreu na última rodada do campeonato de 2013.
 
Não foi mero acaso, isso não foi. Alguém pagou e alguém vendeu, só resta saber o preço da dignidade desses sujeitos.
 
Enquanto o Fluminense servir como o culpado ideal, não encontrarão culpado algum para os seus erros, infelizmente.
 
Avante, Fluminense! ST
 

4 comentários:

  1. ST****

    Crônica que aborda o assunto na perspectiva de quem possue formação específica e vive os meandros jurídicos no dia a dia.

    Informação completa e exposta de forma metódica e didática.

    E argumentação definitiva para pessoas de boa vontade.

    Só falta dar-lhe a si, Felipe, os parabéns pelo excelente texto.

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    1. Obrigado, Mauro. O propósito é realmente ser claro o suficiente para que a questão se livre das dúvidas. É claro que paixões clubísticas, quase sempre, não permitem enxergar o óbvio, mas o importante é que fique a semente da verdade. Um abraço e obrigado pela visita.

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  2. Felipe parabéns pelo texto esclarecedor.. realmente só não enxerga quem não quer...não entendo porque a permanência do FFC na primeira divisão incomoda tanto, se isso ocorreu foi simplesmente porque o fluminense é um clube cumpridor do regulamento ao contrário da portuguesa que tentou burlar as regras do campeonato e pelo seu erro e incompetência administrativa vai participar da segunda divisão, a lamentar que grande parte da imprensa esportiva coloque o nosso tricolor como o verdadeiro vilão e espero que a verdade apareça logo e que se mude o foco das laranjeiras para a gávea e canindé e seja dito e repetido que o FFC é série A e ponto final. ST

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    1. Obrigado, Lory. Infelizmente, as paixões clubísticas não permitem enxergar a realidade. O pior é que não há argumentos, e quando há são facilmente rebatíveis. Brabo é saber que grande parte da imprensa encampa essa manifestação odiosa contra o Flu, mas nada como o tempo...um dia saberão que é o vilão do Brasil. Bjs e ST

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